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sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O conceito de somar e subtrair como operações irmãs e complementares

EXEMPLO


João tinha 14 carrinhos e ganhou 5. Com quantos ficou?

- É de mais ou de menos? 

- Se ele ganhou, só pode ser de mais! 

- Maria tem 7 bonecas. Quando ela mudou de casa, 3 sumiram. Com quantas bonecas ela ficou? 

- Esse é de menos porque ela perdeu as bonecas que tinha...

Quantas vezes você já ouviu comentários como esse ao formular um problema matemático para a turma? Os alunos ficam aflitos para saber qual operação usar e chegar ao resultado final e você, muitas vezes, precisa domar a tentação de dar a dica. Quando as operações são assim apresentadas, há a tendência de a turma acreditar equivocadamente que ambas são opostas e conflitantes, quando na verdade elas podem ser consideradas "irmãs gêmeas". "É possível resolver o mesmo problema usando uma ou outra porque há vários caminhos que levam à resolução", diz Priscila Monteiro, formadora do programa Matemática É D+, da Fundação Victor Civita (FVC). 

Um dos primeiros pesquisadores a relacionar esses cálculos como sendo as duas faces de uma mesma moeda foi o psicólogo francês Gérard Vergnaud, em 1977, ao elaborar a teoria dos campos conceituais (leia entrevista abaixo). Preocupado com as dificuldades das crianças no aprendizado de operações elementares, o pesquisador procurou conhecer os procedimentos mais utilizados por elas. "Dentro e fora da escola, os pequenos já lidam com situações que envolvem ganhar, perder, tirar, acrescentar, juntar e comparar. Elas costumam compreender com mais facilidade quando os problemas estão relacionados a essas noções", observa Milou Sequerra, coordenadora pedagógica do Colégio Santa Cruz, em São Paulo, e estudiosa do assunto. Assim, Vergnaud formulou a ideia de campos conceituais, que pode ser utilizada em qualquer área das ciências. Em Matemática, ela engloba, entre outras, as noções de campo aditivo e campo multiplicativo (veja outras de suas particularidades abaixo).

Um novo jeito de fazer contas 
Ao lidar com o conceito de campo aditivo, você perceberá que as diferenças de abordagem em relação à maneira tradicional não se restringem ao enunciado: os caminhos que o aluno usa para resolver o desafio do enunciado são importantes e devem ser valorizados na discussão em grupo.

 PERSPECTIVA ANTERIORPERSPECTIVA
DO CAMPO ADITIVO
ENUNCIADOA incógnita está sempre
no fim do enunciado
(5 + 5 = ?; 16 - 3 = ?)
A incógnita pode estar em qualquer parte do enunciado
(? + 5 = 10; 16 - ? =13)
PALAVRA-CHAVEPalavras como "ganhar" e "perder" dão certeza ao aluno sobre a operação a ser usadaNão se estimula o uso. As crianças precisam analisar os dados do problema para decidir a melhor estratégia a ser utilizada
COMO O
ALUNO PENSA
Para chegar ao resultado, é preciso saber qual operação usar (soma ou subtração)Com várias possibilidades de chegar ao valor final, o aluno tem mais autonomia e o pensamento
fica menos engessado
RESOLUÇÃOEstá diretamente ligada à operação proposta no enunciadoEstá atrelada à análise das informações e à criação de procedimentos próprios
INTERAÇÃO
COM O ALUNO
Cabe ao professor validar ou não a resposta encontradaO professor propõe discussões em grupo e o aluno tem recursos para justificar seus procedimentos
REGISTROConta armadaO percurso do raciocínio é valorizado, seja ele feito com contas parciais, armadas ou não, desenho de pauzinhos ou outra estratégia

Consultoria Lúcia Mesquita e Virgínia Villaça, professoras do Colégio Santa Cruz, em São Paulo, SP
Os tipos de operação, segundo quem os criou 

Vergnaud divide o campo aditivo em cinco classes. As características de cada uma delas podem ser percebidas pela forma como é elaborado o enunciado (leia exemplos no quadro abaixo). São elas: 

• Transformação - Alteração do estado inicial por meio de uma situação positiva ou negativa que interfere no resultado final. 

• Combinação de medidas - Junção de conjuntos de quantidades preestabelecidas. 

• Comparação - Confronto de duas quantidades para achar a diferença. 

• Composição de transformações - Alterações sucessivas do estado inicial. 

• Estados relativos - Transformação de um estado relativo em outro estado relativo (essa categoria não é abordada nos Parâmetros Curriculares Nacionais, PCNs, de 1ª a 4ª série por ser de maior complexidade e, por isso, não trataremos de problemas referentes a ela). 

Além de identificar essas situações para elaborar o enunciado do problema, é preciso ficar atento para oferecer ao aluno a possibilidade de realizar várias operações, positivas ou negativas. É importante variar o lugar em que a incógnita é colocada. "A alteração do X da questão possibilita raciocínios muito diferentes e faz com que o estudante entenda o sentido das operações", observa Priscila Monteiro. 

Dá para perceber que essas novas concepções mudam totalmente a maneira de ensinar problemas de adição e subtração, certo? Se antes a conta armada era a única opção disponível, agora o aluno tem variados caminhos para chegar ao fim, assim como registrar esse percurso. 

Da mesma forma como há um leque de situações matemáticas, também o aluno pode buscar diferentes caminhos para encontrar o resultado. Vamos entender como isso funciona com a ajuda de um exemplo: "Numa gincana escolar, a turma B fez 48 pontos, e a A, 29. Quantos pontos a turma A precisa fazer para ficar igual à B?" Colocar um número em cima do outro e fazer a conta armada é apenas uma forma de resolver essa questão, mas não é a única. 

Um aluno pode partir do 29 e ir contando de 1 em 1 até chegar ao 48, encontrando o resultado por meio do complemento. Outro jeito é começar do 48 e ir subtraindo até alcançar o 29. Há ainda a possibilidade de acrescentar um número ao 29, por exemplo, o 10, e ir ajustando até chegar ao 48, obtendo o valor final por meio de sucessivas adições. Não é difícil que os estudantes menos experientes nessas operações optem por desenhar pauzinhos, contar nos dedos ou ainda procurem os números com a ajuda de uma tabela. 

"As crianças não resolvem problemas só quando já têm um modelo pronto", lembra Célia Maria Carolino Pires, coordenadora da Pós-graduação em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). As estratégias encontradas pelos alunos, a maneira como defendem ou validam o que fizeram e a comparação com as soluções dos colegas da classe têm tanto ou mais valor que o resultado certo para o aprendizado. Célia ressalta a importância de o professor questionar, debater e socializar com a classe as soluções encontradas pelos alunos, como uma tarefa permanente que requer cuidados para não ridicularizar ninguém. "Essa prática ajuda as crianças a perceber as diferentes formas de encontrar a solução e permite que elas façam as escolhas dos procedimentos mais práticos e econômicos."


Os diferentes caminhos para a resolução de problemas 

Você pode usar a teoria do campo conceitual - da qual o campo aditivo faz parte - para melhor organizar as práticas em sala de aula: nos problemas apresentados, observe se os significados envolvidos estão sendo explorados. Dessa forma, as crianças percebem que diferentes situações podem ser resolvidas pelo uso de uma mesma operação. Acompanhe a seguir alguns exemplos de problemas.

EXEMPLOOBSERVAÇÃOVARIAÇÕES
Transformação positiva de um estado inicial
Marina tinha 20 figurinhas e ganhou 15 num jogo. Quantas figurinhas ela tem agora?
 • Marina tinha algumas figurinhas, ganhou 15 num jogo e ficou com 35. Quantas figurinhas ela tinha?

• Marina tinha 20 figurinhas. Ganhou algumas e ficou com 35. Quantas figurinhas ela ganhou?
Transformação negativa de um estado inicial
Pedro tinha 37 bolinhas, mas perdeu 12. Quantas bolinhas ele tem agora?
 • Pedro tinha várias bolinhas, perdeu 12 e agora tem 25.
Quantas bolinhas ele tinha antes?

• Na semana passada, Pedro tinha 37 bolinhas. Hoje tem 25. O que aconteceu no decorrer da semana?
Combinação de medidas
Numa classe, há 15 meninos e 13 meninas. Quantas crianças há ao todo?
 • Em uma classe de 28 alunos, há alguns meninos e 13 meninas. Quantos são os meninos?

• Em uma classe de 28 alunos, 15 são meninos. Quantas são as meninas?
Comparação
Paulo tem 13 carrinhos e Carlos tem 7 a mais que ele. Quantos carrinhos tem Carlos?
 • Paulo tem 13 carrinhos e Carlos, 20. Quantos carrinhos a mais Paulo precisa para ter o mesmo que Carlos?

• Carlos tem 20 carrinhos. Paulo tem 7 a menos que ele. Quantos carrinhos tem Paulo?
Composição de transformações
No início do jogo, Flávia tinha 42 pontos. Ela ganhou 10 pontos e, em seguida, mais 25. O que aconteceu com seus pontos no fim?
 • No início do jogo, Flávia tinha 42 pontos. Ela perdeu 10 pontos e, em seguida, perdeu mais 25. O que aconteceu com seus pontos no fim?

• No início do jogo, Flávia tinha 42 pontos. Ela ganhou 10 pontos e, em seguida, perdeu 25. O que aconteceu com seus pontos no fim?
 Ilustrações: Carlo Giovanni
5 perguntas Gérard Vergnaud

Por que é importante pensar a adição e a subtração sob o enfoque do campo aditivo?
Porque não se pode entender separadamente o desenvolvimento cognitivo e o aprendizado de um conceito. Desenvolvemos conceitos e representamos objetos e pensamentos por meio de suas características gerais, para enfrentar situações. E sempre há uma variedade enorme de situações envolvidas na formação de um conceito - e também uma variedade de conceitos envolvidos no entendimento de uma situação. Juntos, eles formam sistemas progressivamente organizados, que devem ser estudados ao mesmo tempo. 

O que levou o senhor a incluir os problemas matemáticos nessa perspectiva? 
As primeiras ideias das crianças a respeito de adição e subtração se desenvolvem entre 4 e 6 anos. No entanto, existem problemas que implicam apenas uma adição e que muitos alunos não conseguem entender, mesmo depois de concluir o primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Pior: às vezes, eles desenvolvem ideias erradas sobre determinados conceitos. Então, é útil tentar classificar essas situações e analisar as dificuldades e os obstáculos epistemológicos encontrados por esses estudantes. 

Quais as dificuldades dos alunos para compreender problemas de adição e subtração? 
O mais comum é não saber o que fazer quando o estado inicial ou a transformação são desconhecidos, pois geralmente se pede o valor final, que é sempre maior do que o inicial. Alguns ficam em dúvida quando a transformação é uma subtração. Outro ponto é a resistência em conceber, num mesmo raciocínio, operações com números de sinais diferentes (negativo e positivo). 

Por que o conceito de campo aditivo ainda é pouco utilizado nas escolas? 
A teoria não é difícil, mas ela não corresponde ao senso comum, formado pelos protótipos que também os professores aprenderam na escola e continuam a ter em mente sobre adição e subtração. O conceito de campo aditivo precisa ser explicado com cuidado, com muitos exemplos. 

Essa forma de ensinar pode ser usada em quais áreas? 
Em estruturas multiplicativas com certeza, mas também em álgebra, geometria e em outros conteúdos que não são da Matemática, como Biologia, moral e ética, compreensão de textos e 
competências profissionais - e sempre que você precisar fazer análises e pesquisas específicas.

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